35 anos da Constituição Federal do Brasil
No dia 5 de outubro a Constituição da República Federativa do Brasil completou trinta e cinco anos. Trinta e cinco anos pode ser considerado um período de vigência curto, se comparado a outras constituições democráticas, porém, é um tempo considerável se forem levadas em conta as particularidades da história constitucional e política brasileira.
A atual Constituição do Brasil é 44% mais longa do que a Constituição original de 1988 (e é a segunda mais longa do mundo, atrás apenas da Constituição da Índia). Com 131 emendas constitucionais aprovadas após sua promulgação, a Constituição brasileira mostrou-se resiliente aos desafios modernos da democracia e adaptável às dinâmicas sócio-constitucionais. Embora alguns juristas brasileiros afirmem que: “Não há resiliência sem lealdade”, a Constituição suportou repetidas crises políticas e econômicas, uma crise sanitária, dois impeachments e tentativas de golpe.
Em 1988, a Constituição brasileira tinha uma “cabeça de Janus”: olhava para o passado para superar mais de duas décadas de regime militar; mas também olhou para a posteridade: para inovar o sistema brasileiro e delinear um desenho de Estado moderno, liberal e social-democrata que se destinasse ao país.
Naquele momento, a intenção era conciliar os interesses dos atores da época. O processo constituinte caracterizou-se pela abertura a inúmeros grupos sociais que se mobilizaram para deixar os seus direitos refletidos no texto constitucional. Foi construído um pacto “maximizador”, segundo expressão cunhada pelo professor Oscar Vilhena; além de inclusivo, flexível e, em alguns casos, com alta especificidade.
Foi elaborado um texto constitucional em termos de princípios, em que as necessidades e interesses de vários grupos foram refletidos no texto constitucional, apesar de serem antagônicos e conflitantes. Embora os deveres constitucionais não tenham sido destacados no texto, os direitos e garantias individuais enumerados ao longo do artigo 5º , através de 79 parágrafos e localizados topograficamente após a enunciação dos Princípios Fundamentais, praticamente inauguraram o texto da Constituição e demonstraram a preocupação do constituinte em conceder-lhes a devida importância normativa.
Para o constitucionalista Clemerson Cleve a Constituição “desenhou os meios para transformar em realidade as promessas do constituinte, diminuindo assim a distância entre a normatividade e a concretude do mundo da vida”.
No dia 5 de outubro, em sessão solene do Congresso Nacional , o presidente da Mesa do Congresso, senador Rodrigo Pacheco afirmou que “mais do que um texto normativo, a Constituição é uma carta de promessas dirigida à população brasileira. Podemos dizer que a sociedade vence a cada día desses 35 anos da nossa Constituição, que é vivida e reafirmada como norma jurídica fundamental de uma democracia sólida e amadurecida.”
Apesar de digna de elogios, a declaração merece temperamentos, pois tudo leva a crer que a vivência constitucional é algo que está longe de ser uma realidade para grande parte dos brasileiros. Segundo pesquisas sobre o tema, parece que o estado de desinformação sobre o conteúdo da Constituição prevalece sobre uma parte significativa da população. Assim, tudo indica que a maturidade e a materialização constitucional ainda são promessas que devem ser efetivamente cumpridas no longo prazo.
De qualquer forma, a Constituição Republicana representou para Geraldo Alckmin, vice-presidente do Brasil e membro da Assembleia que aprovou a Constituição (após análise de mais de 60 mil sugestões), “uma nova Constituição para um novo tempo, que significava um novo pacto e um novo compromisso. Um pacto de conciliação com mais justiça e igualdade e um compromisso com a liberdade. Deste modo, o Estado Democrático de Direito foi restaurado entre nós.”
Por meio da “Constituição Cidadã”, a República Federativa Brasileira atingiu o seu maior período “de estabilidade constitucional”, depois de “uma tradição republicana de golpes, contragolpes e rupturas da legalidade constitucional” (Barroso). Diz-se até que a República Brasileira começou com um golpe.
Embora a Constituição seja entendida como uma carta de promessas por alguns estudiosos, parece que muitas delas não foram cumpridas até agora, dando origem ao que foi chamado no Brasil de “crise da (in)efetividade da Constituição”. Se, por um lado, a nossa Constituição apresenta notas de inclusão, flexibilidade e especificidade que “tendem a produzir as reais razões da durabilidade constitucional”, por outro, até hoje “não temos conhecimento popular dos direitos constitucionais, nem um sentimento de apego popular à Constituição” (Rubens Glezer).
Nas palavras de Glezer: “não conseguimos promover uma estabilidade razoável sobre o sentido da barganha política, gerando um grau excessivo de imprevisibilidade sobre como serão resolvidos os conflitos levados ao Judiciário; o que enseja rodadas permanentes de renegociação e conflito sobre os termos da barganha política. Isso ocorre pela aplicação profundamente desigual da lei no país, bem como pela intensa insegurança jurídica, causada em parte por inconsistência no padrão decisório e em parte pela recorrência de práticas de catimba constitucional” (Rubens Glezer).
Ainda existe no país uma percepção incompleta do papel das instituições à luz da Constituição, que deriva ipso facto de uma interpretação incompleta e imatura da nossa própria Carta. Faltam-nos ainda os grandes acordos morais ou os “consensos sobrepostos” rawlseanos , necessários à sedimentação de uma “cultura constitucional”, que afeta inevitavelmente i) a própria tradição do constitucionalismo. ii ) o nível de conhecimento que o povo tem da sua própria Constituição, iii ) a internalização constitucional pelo povo e iv ) a compreensão do papel e das práticas de argumentação, que orientam a interação entre cidadãos e agentes públicos sobre questões e assuntos relacionados ao significado da Constituição.
Por outro lado, é inegável que a revitalização da jurisdição constitucional pelo neoconstitucionalismo também revitalizou o papel dos tribunais constitucionais. A Constituição de 1988 deu ao Supremo Tribunal Federal brasileiro um “arsenal” de instrumentos úteis para a reafirmação e implementação de suas normas. Foi a partir da interpretação direta da Constituição que o Supremo Tribunal Federal nestes 35 anos instituiu a proibição do nepotismo na administração pública, autorizou investigações com células-tronco embrionárias, declarou a não recepção da Lei de Imprensa Brasileira do regime militar, reconheceu o direito às uniões homo afetivas, despenalizou o porte de drogas para uso pessoal, criminalizou práticas homofóbicas e transfóbicas, reconheceu direitos de minorias (mulheres, indígenas, negros).
Dessa forma, a posteridade é desafiadora, mas o 35º aniversário da Constituição da maior democracia da América Latina inspira confiança e motiva o povo brasileiro a depositar suas esperanças em dias melhores. Tempora mutantur, nos et mutamur in illis.
35 años de la Constitución Federal de Brasil
El 5 de octubre de 2023, la Constitución de la República Federal de Brasil cumplió treinta y cinco años. Treinta y cinco años puede ser considerado un tiempo corto de vigencia, si se le compara con otras constituciones democráticas, sin embargo, es un tiempo considerable si se tiene en cuenta las particularidades de la historia constitucional y política brasilera.
La Constitución actual de Brasil es un 44% más extensa que la Constitución original de 1988 (y es la segunda más extensa del mundo, solo por detrás de la Constitución de la India). Con 131 enmiendas constitucionales aprobadas después de su promulgación, la Constitución brasilera se mostró abierta al cambio originado por los desafíos modernos de la democracia y adaptable a la dinámica social-constitucional. Aunque, cabe señalar que algunos juristas brasileros critican el hecho de que la Constitución se ha adaptado a los cambios, pero con múltiples enmiendas, lo cual afecta la “lealtad con el texto constitucional”. En todo caso, hay que señalar que, la Constitución de 1988 ha soportado repetidas crisis políticas, económicas, una crisis sanitaria, dos impeachments e intentos golpistas.
En 1988 la Constitución brasilera tenía una “cabeza de Jano”: miraba hacía el pasado para superar más de dos décadas de régimen militar; pero también miraba hacia el futuro: para innovar de manera inédita el ordenamiento brasilero y delinear un diseño de Estado moderno, liberal y social-democrático que se pretendía para el país.
En ese momento, la intención era conciliar los intereses de los actores de la época. El proceso constituyente se caracterizó por la apertura a innumerables grupos sociales que se movilizaron para dejar plasmados sus derechos en el texto constitucional. Se construyó un pacto de “máximos”, según la expresión acuñada por el profesor Oscar Vilhena; además de inclusivo, flexible y en algunos casos, con alta especificidad.
Se elaboró un texto constitucional en términos de principios, en el que las necesidades y los intereses de varios grupos quedaron plasmados en el texto constitucional, a pesar de ser antagónicos y conflictivos. La Constitución no incluye muchos deberes ciudadanos; por su parte, los derechos y las garantías individuales enumerados a lo largo del artículo 5º, mediante 79 incisos, ocupan un lugar de primera importancia en el texto constitucional.
Los derechos y garantías, además, tienen un lugar privilegiado, ubicados después de la enunciación de los Principios Fundamentales (prácticamente encabezan el texto de la Constitución), lo que demuestra la preocupación del constituyente en conferirles la debida relevancia jurídico-constitucional. Para el constitucionalista Clemerson Clève la Constitución “diseñó los medios para transformar en realidad las promesas del constituyente, disminuyendo así la distancia entre la normatividad y su concreción en el mundo real”.
El 5 de octubre, en sesión solemne del Congreso Nacional, el presidente del Congreso, senador Rodrigo Pacheco afirmó que “Más que un texto normativo, la Constitución es una carta de promesas dirigida a la población brasilera. Podemos decir que la sociedad venció cada uno de esos 35 años de nuestra Constitución, que es vivida y reafirmada como una norma jurídica fundamental, de una democracia sólida y que ha madurado”.
A pesar de ser digna de elogios, la declaración merece matices, puesto que, todo lleva a creer que la materialización constitucional es algo que está lejos de ser realidad para gran parte de los brasileros. A su vez, de acuerdo con investigaciones sobre este tema, parece que el estado de desinformación acerca del contenido de la Constitución impera sobre una significativa parte de la población. Así, todo indica que la madurez y la materialización constitucional son aún promesas que deben efectivamente cumplirse a largo plazo.
De cualquier modo, la Constitución Republicana representó para Geraldo Alckmin, vicepresidente de Brasil e integrante de la Asamblea que aprobó la Constitución: “Una nueva Constitución para un nuevo tiempo, que significaba un nuevo pacto y un nuevo compromiso. Un pacto de conciliación con más justicia e igualdad y un compromiso con la libertad. De este modo, fue así restituido el Estado Democrático de Derecho entre nosotros”. Adicionalmente, el precitado autor también destaca que el texto final, se elaboró después del análisis de más de 60 mil propuestas presentadas por la sociedad civil, para integrar el texto de la nueva Constitución.
Por medio de la “Constitución ciudadana” (denominada así por la amplia participación ciudadana en su elaboración y la conformación de una Asamblea Constituyente de variado espectro político), la República Federativa de Brasil alcanzó su mayor periodo de “estabilidad constitucional”, después de “Una tradición republicana de golpes, contra golpes y rupturas de la legalidad constitucional” (Barroso). Se dice, inclusive, que la República brasilera se inició a partir de un golpe de Estado.
Aunque la Constitución sea entendida como una carta de promesas por parte de algunos estudiosos, parece que muchas de estas no fueron cumplidas hasta el momento, dando origen a lo que se denominó en Brasil como la “crisis de la (in)efectividad de la Constitución”.
Por un lado, nuestra Constitución presenta notas de inclusión, flexibilidad y especificidad que “Tienden a explicar las razones reales de durabilidad constitucional”; por otro lado, hasta hoy “No tenemos conocimiento por parte de la población de los derechos constitucionales, ni existe un apego de la población a la Constitución” (Rubens Glezer).En palabras de Glezer: “No conseguimos promover una estabilidad razonable sobre el sentido del pacto político, generando un grado excesivo de imprevisibilidad sobre cómo serán resueltos los conflictos que se lleven a la rama judicial, lo que ocasiona escenarios permanentes de renegociación y conflicto sobre los términos del pacto político. Eso ocurre por la aplicación profundamente desigual de la ley en el país, así como por la intensa inseguridad jurídica; causada en parte, por la inconsistencia en el patrón decisorio y en parte, por la recurrencia a prácticas de “catimba” constitucional”(Rubens Glezer). (Catimba es un término proveniente del fútbol brasilero que indica “juego agresivo o sucio”; contrario al “juego bonito”. Este término, luego fue usado por los constitucionalistas brasileros para indicar “jugadas engañosas por parte del Supremo Tribunal Federal).
La “catimba constitucional”, por supuesto, puede ser considerada un fallo en el funcionamiento del sistema constitucional; pero que, en todo caso, se deriva de la Constitución que soporta o edifica este sistema.
Existe todavía en el país una percepción incompleta de los papeles de las instituciones a la luz de la Constitución, que se desprende de una incompleta e inmadura interpretación de nuestra propia Carta Magna. Faltan todavía los grandes acuerdos morales o “consensos sobrepuestos” rawlsianos, necesarios para la sedimentación de una “cultura constitucional”, que inevitablemente afecta i) A la propia tradición del constitucionalismo. ii) Al nivel de conocimiento que el pueblo tiene de su propia Constitución, iii) A la interiorización constitucional por parte del pueblo, y iv) A la comprensión del papel y de las prácticas de argumentación, que guían la interacción entre los ciudadanos y agentes públicos en cuestiones y materias relacionadas al sentido de la Constitución.
Por otro lado, es innegable que la revitalización de la jurisdicción constitucional, también revitalizó el papel de las cortes constitucionales. La Constitución de 1988 dio al Supremo Tribunal Federal brasilero un “arsenal” de instrumentos útiles para la reafirmación e implementación de sus normas. Fue a partir de la interpretación directa de la Constitución que el Supremo en estos 35 años instituyó la prohibición del nepotismo en la administración pública, autorizó investigaciones con células madres embrionarias, protegió la libertad de prensa (incluso con relación a una ley expedida en el régimen militar; es decir, anterior a la Constitución de 1988), reconoció el derecho a las uniones homoafectivas, despenalizó el porte de drogas para el uso personal, penalizó las prácticas homofóbicas y transfóbicas, reconoció derechos a las mujeres y a las minorías (indígenas, negros).
De esta manera, la posteridad es desafiante, pero el 35º aniversario de la Constitución de la democracia más grande de América Latina inspira confianza y motiva al pueblo brasilero a depositar sus esperanzas en mejores días. Tempora mutantur, nos et mutamur in illis.
Cita recomendada: Igor de Lazari, Antonio Guimarães Sepulveda, Carlos Alberto Pereira das Neves Bolonha «35 años de la Constitución Federal de Brasil», IberICONnect, 30 de octubre de 2023. Disponible en: https://www.ibericonnect.blog/2023/10/35-anos-de-la-constitucion-federal-de-brasil/